Reforma Tributária de Paulo Guedes cria novas hipótese de lucro real

Por: Vinicius Andrade
Fonte: Uol / Noticias da TV
O governo de Jair Bolsonaro encaminhou à Câmara dos Deputados no fim
de junho a segunda parte da reforma tributária, com propostas de
mudanças no Imposto de Renda. Caso o Projeto de Lei seja aprovado como
está, uma das classes afetadas será a artística. Profissionais como atores,
cantores e apresentadores, que cedem os direitos de imagem ao serem
contratados por uma empresa como PJ (pessoa jurídica), terão de pagar
mais impostos e vão sentir a alteração no bolso.
Os artistas já começaram um movimento na tentativa de barrar esse trecho
do projeto. Leo Jaime e o baixista PJ, do Jota Quest, por exemplo, se
manifestaram contra a medida. O coletivo 342 Artes, liderado pela
produtora Paula Lavigne, procurou o advogado Leonardo Antonelli para
entender como a reforma afeta o setor. O Notícias da TV entrevistou o
tributarista.
Segundo a proposta encaminhada ao Legislativo por Paulo Guedes, ministro
da Economia, "a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de
imagem, nome, marca ou voz" passarão a sofrer uma nova incidência, se
prestados pela pessoa jurídica.
Atualmente, trabalhadores de qualquer área contratados no sistema PJ
arcam com uma alíquota que varia de 6% a 20% ao ano, dependendo da
atividade e do faturamento, pois estão enquadrados na taxação pelo "lucro
presumido", que é um regime tributário simplificado, com uma estimativa
de lucro.
Com a reforma tributária, os artistas teriam de pagar pelo lucro real, uma
forma de cobrança usada atualmente apenas para grandes empresas. A
nova cobrança faria com que profissionais desse setor tivessem que pagar
34% de imposto, mais do que o dobro da tributação atual.
"O projeto do ministro Paulo Guedes atinge a classe artística porque
somente os serviços de exploração dos diretos de autor, imagem e voz
foram eleitos por ele para tributar. Em outras palavras, ele poderia ter
incluído serviços médicos, jurídicos, de engenharia, arquitetura. Não o fez",
explica o advogado Leonardo Antonelli, que complementa:
É por isso que entendo ser anti-isonômico (injusto) pinçar uma classe
econômica em detrimento de todas as outras que, com todo o respeito,
podem ter mais capacidade contributiva de receita do que a maioria dos
artistas. Parece-me ser um erro (político) imaginar que a classe artística se
resume aos chamados 'globais'. Existem milhares de outros partícipes que
poderão ser atingidos, mesmo que de forma reflexa (nas produções, teatro,
streaming).
O tributarista argumenta que a nova cobrança está ligada ao artista porque
ele cede o direito de imagem quando realiza um audiovisual. Atletas e
jornalistas, que também fazem esses tipos de contratos como PJ, nem
sempre. Para ter um vínculo como pessoa jurídica, o profissional abre uma
empresa em seu nome, e essa passa a prestar serviço para a contratante.
Ao contrário do regime com carteira assinada, esse modelo não dá direito
a benefícios como férias remuneradas, 13º salário, FGTS (Fundo de Garantia
do Tempo de Serviço), seguro do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social)
nem seguro-desemprego.
No caso de artistas e alguns jornalistas, a vantagem de ser contratado como
uma "empresa" é a possibilidade de vincular ao contrato ganhos com
publicidade e merchandising, que são devidamente declarados. A pessoa
física é taxada em até 27,5% do Imposto de Renda, além do INSS. E a jurídica
recolhe, no modelo atual, de 6% a 20%.
O artigo 12 do Projeto de Lei 2.337, que trata sobre as mudanças no
Imposto de Renda na reforma tributária, afirma que será obrigado a pagar
alíquotas pelo lucro real o profissional "que tenha como atividade ou objeto
principal a exploração de direitos patrimoniais de autor ou de imagem,
nome, marca ou voz". No documento, o ministro Paulo Guedes justifica o
pedido de mudança:
O artigo 12 do Projeto de Lei tem como objetivo ampliar as situações que
estabelecem a obrigatoriedade de apuração do IRPJ (Imposto de Renda
Pessoa Jurídica) e da CSLL (Contribuição Social sobre o Lucro Líquido) com
base no lucro real. A medida visa desestimular a utilização indevida do lucro
presumido para alocar rendimentos que deveriam ser tributados pela
pessoa física.
Ou seja, o governo defende uma "despejotização" nessa área, apesar de o
plenário do Supremo Tribunal Federal, em dezembro de 2020, ter aprovado
a legislação dos prestadores de serviços intelectuais, de natureza artística
ou cultural. A maioria do STF entendeu que profissionais como atores,
cantores e escritores podem ser contratados pelo regime PJ.
Para o advogado Leonardo Antonelli, caso a medida seja aprovada, a
tributação dos artistas será, proporcionalmente, superior a de companhias
como Petrobras, Vale e CSN. "As grandes empresas investem muito das
suas receitas e, portanto, podem deduzir tudo que gastam. Os engenheiros,
advogados, médicos e artistas sempre optam por pagar pelo chamado lucro
presumido, ou seja, um percentual sobre a receita, independentemente das
despesas, que são baixas", defende ele.
Artistas protestam
No sábado (3), após o colunista Ancelmo Gois, do jornal O Globo, publicar
uma nota sobre o aumento de imposto, artistas protestaram contra a
medida. "Não basta ficar um ano e meio sem trabalhar. Nossos inimigos
estão no poder e são bem claros: ou acabamos com eles ou acabam com a
gente!", reagiu o cantor Leo Jaime.
"Faço questão que todos saibam que a perseguição do governo com a classe
artística é real, cruel e totalmente sem sentido. Se um país e seu próprio
governo não incentiva, não dá valor e não apoia sua cultura, os mesmos
estão fadados ao fracasso e a insignificância. Surreal! Fica aí o meu protesto
público como representante da classe!", escreveu o baixista PJ, do Jota
Quest.
O que diz o governo?
Procurado, o Ministério da Economia não se manifestou sobre o aumento
da alíquota para artistas até a conclusão desta reportagem. A proposta de
reforma no Imposto de Renda foi entregue pelo ministro Paulo Guedes ao
presidente da Câmara, o deputado Arthur Lira, no último dia 25.
"Entre as principais mudanças propostas estão a correção da tabela do
Imposto de Renda de Pessoa Física, que implicará a redução de impostos
para 30 milhões de brasileiros e isenção para mais 5,6 milhões, totalizando
16,3 milhões de isentos (50% dos atuais declarantes não pagarão Imposto
de Renda); a queda geral do Imposto de Renda para empresas do lucro real,
pela primeira vez na história, com o decorrente estímulo ao investimento e
à geração de emprego; a chegada a uma realidade mais justa em relação à
tributação de lucros e dividendos, com proteção aos pequenos
empresários; menos custos operacionais, burocracia e fim de privilégios",
diz o governo.
A aprovação do texto depende do ritmo de votação no Congresso Nacional,
mas a expectativa do governo é que as medidas entrem em vigor a partir
de 1º de janeiro de 2022. Até lá, os artistas e outros setores insatisfeitos
com as mudanças tendem a fazer pressão na tentativa de alterações em
alguns pontos da reforma tributária.
"A reforma é muito importante para o Brasil e tem pontos muito positivos
para o nosso país. Torço pela aprovação de tudo aquilo que é justo. Um
governo eleito pode e deve apresentar propostas de reformas. Se muito
onerosa, exagerada ou abrangente demais, caberá ao Congresso aprovar,
modificar ou rejeitar. Exercer o sistema de freios e contrapesos é exemplo
de democracia viva", aponta Leonardo Antonelli.